Carta ao meu pai
Sinto-me triste, sabes Pai? Sempre foste um pai ausente e sabes disso, mas nunca fazes um esforço para compensar essa ausência. Tenho 25 anos e vejo-te mais frequentemente agora que o Diogo nasceu, que em toda a vida que vivi na mesma casa que tu. Mas tu não me vens visitar, Pai. Apenas visitas o teu neto, apenas vês o teu neto. Quando me sinto triste, aborrecida ou feliz e quando apareces, faço questão em desabafar contigo, mas não consigo. Sabes porquê, Pai? Porque não me ouves, nunca me ouviste. Deste-me de tudo a nível material quando vivia contigo e desde os 18 anos (altura em que saí de casa) que me ajudas aos poucos. Mas o que me faz falta é a tua atenção, Pai. Dizes-me que foste um pai ausente e por isso compensas todos os dias no teu neto, mas não te lembras na mesma que tens uma FILHA. Que além de ser a mãe do teu neto, é a tua filha. Quantas vezes, na minha gravidez, te pedi para me vires fazer companhia, altura em que me sentia extremamente só sem ninguém com quem falar e a viver uma experiência nova e tu te recusaste a vir cá, sempre alegando tarefas inadiáveis por fazer? Onde estavas, Pai? E onde estão essas tarefas inadiáveis, agora que o teu neto nasceu?
Isto não é ciúme Pai. É saudade do que nunca tive. É querer ter uma ligação especial contigo e não conseguir. É querer ter atenção de pai e não ter, é ver-me sempre em segundo plano na tua vida. Onde estavas Pai, numa noite há tempos atrás, em que parti o salto da bota e torci o pé, onde fiquei cheia de dores sem conseguir andar? O que tinhas para fazer, quando te liguei para me ires buscar a Lisboa, onde já era tarde e frio e eu ainda sem conseguir andar? O que foi mais importante para ti, que te fez dar uma resposta que me magoou? Porque tive eu de ir de táxi para casa, Pai, onde gastei uma fortuna por isso? Porque me criticaste tu, por ter vindo de táxi? Preferias que tivesse ficado na rua? Gelada?
Onde estiveste Pai, quando me sentia triste com qualquer coisa da minha adolescência? Porque foi sempre o trabalho mais importante que ouvir um filho teu? Não te critico por não seres um bom educador, pois apesar de toda a tua ausência, carrego muitos dos teus valores comigo. Mas critico a ausência daquilo que faz um homem ser pai, um amigo, um confidente. Falas-me que a família é o mais importante, mas contrarias-te com a tua própria maneira de ser. Onde está o pai amigo e confidente? Porque tenho eu de ligar mais à família, quando são os amigos que me apoiam, que me ouvem, que nunca alegam nada para fazer quando se trata de partilhar as minhas alegrias e tristezas? Estou triste, Pai. Sinto falta de ti. Agradeço a atenção que dás ao teu neto, mas apenas te mostras egoísta. Sim, Pai. És muito egoísta. O teu trabalho para ti, fez com que não acompanhasses como devias os teus filhos, fez com que um vazio enorme me afastasse de ti, e por isso vês todos os dias o teu neto, mimas todos os dias o teu neto. Para te sentires melhor contigo próprio, para te redimires contigo mesmo. E eu Pai? Porque tentas tu compensar algo apenas para ti? Porque não me deixas tu aproximar-me de ti? Porque não me deixas desabafar, porque achas tudo uma "criancisse", uma "parvoíce" da minha cabeça? Porque é para ti tão difícil de ver que tudo o que me faz falta é de Pai?
Mas não adianta tentar falar contigo acerca disto, pois não Pai? Não adianta porque quando o tema é este ou um semelhante, a tua agenda fica surpreendentemente cheia de repente. Não adianta chamar-te à razão calmamente, a gritar, a chorar, a rir. Tu simplesmente não ouves Pai. E quanta falta tenho, do meu Pai, do sentimento que queria ter retribuído, do Pai que nunca tive e que nunca vou ter...
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