quarta-feira, dezembro 07, 2005

Sentimentos passados (II)...

No domingo, dia 11 de Setembro, estive todo o dia a arrumar a mala do Diogo (uma vez mais, nunca a achava perfeita...) e já muito incomodada com dores nas costas e moínhas no baixo ventre, como se de dores menstruais se tratasse. O R., andava a trocar as torneiras da cozinha e do WC e farto de andar a sair de casa para ir buscar uma peça para a torneira da cozinha, e mais outra porque a anterior não servia... Ao terminar, fomos jantar e comentei com ele que sentia a minha barriga a ficar muito rija e que tinha moínhas de tempos a tempos. O rolhão já o tinha começado a perder na 6ª feira anterior e sabia que o parto estava perto, afinal de contas, a data marcada era para daí a 3 dias. Não me recordo bem, mas sei que nos fomos deitar tarde, eram cerca de 2 horas da manhã e aí as dores já me incomodavam bastante, sentia dores no fundo das costas pelo que pedi ao R. para me massajar a zona de modo a ver se passava. Não passou, mas melhorou tanto que comecei a adormecer junto ao R. já moída pelas dores. Mas quando estava prestes a adormecer, as minhas águas rebentaram, senti um "plop!" e fiquei molhada. Acordei em sobressalto, assustada, apreensiva. Nunca cheguei a ter aulas de preparação para o parto, uma vez que na altura que devia ter tido, as enfermeiras do Centro de Saúde estavam de férias. Acordei o R., avisei-o que algo se passava e ele muito calmamente (estava a dormir em pé), disse-me para me vestir para irmos ao hospital. Tomei um duche antes, lembro-me como se fosse hoje... a água caía sobre mim e eu ia tentando concentrar-me no que estava a acontecer. No fundo sabia que estava em trabalho de parto, sabia que era o processo inicial para ter o meu filho nos braços, mas sentia-me tão assustada, tão inexperiente... queria porque queria, não acreditar que era desta. Não me sentia preparada psicologicamente para enfrentar o que tinha passado uma semana antes, não estava preparada para me sentir um peso, para ser tratada como lixo por pessoas desumanas. Mas pensando agora no assunto, sei que jamais ficaria preparada.
Ao sair do duche já eu estava com contracções fortes, tive de me ajoelhar sucessivamente para poder suportá-las da melhor forma possível. Coloquei um penso higiénico devido ao líquido que estava ainda a perder (e para quê pergunto agora?), acabei de me vestir e lá saímos de casa. O R. com as malas na mão, eu agarrada ao corrimão das escadas cada vez mais amedrontada com as dores que sentia. Sabia no fundo do meu coração que o meu filho estava bem, sentia-o. Não sei explicar como, mas sabia que ele estava bem, que aquelas dores que eu estava a sentir não era por algo estar errado, muito pelo contrário. Ao chegarmos ao carro (demorou pois parei cerca de 3 vezes até lá chegar), comecei a contabilizar os minutos das contracções. Dois minutos de intervalo entre contracções. Lembro-me ténuamente do R. me ter perguntado se podia passar primeiro por uma bomba de gasolina. Nem consegui ficar aborrecida com a pergunta despropositada para altura, apenas lhe disse que não aguentava, peguei na mão dele e só lhe disse: "Tenho medo amor... não sei se vou conseguir..." - Mas ele sorriu-me, afagou-me a mão e tranquilizou-me, dizendo que tudo ia correr bem, que eu ia passar por isso e tudo ficaria bem. Tinha a cabeça a mil à hora, todos os meus pensamentos e sentimentos estavam emaranhados como um novelo mal enrolado. Talvez por isso, eu não tenha tido sangue frio, para fazer valer os meus direitos naquele bloco de partos, talvez por isso, eu tenha deixado que me maltratassem daquela maneira, que me sentisse sózinha ali, e no Mundo. Não sei.
Chegámos ao hospital, saí do carro e fiquei ajoelhada no chão. As dores estavam cada vez mais intensas, e talvez mais fortes pelo meu receio. Estava apavorada com aquelas dores que nunca tinha sentido na minha vida. Pedi ao R. para ir andando (porque eu andava muito devagar) e fazer a ficha da minha entrada nas urgências. Ao chegar lá dentro estava já encharcada da cintura para baixo, apenas me agarrava à barriga que parecia descer, descer... O R. pede uma cadeira de rodas porque eu já não conseguia andar e lá fui eu. Lembro-me de ver o marido da Raquel, uma brasileira que teve a sua filha Íris no mesmo dia. Mas ele estava fora do bloco de partos, não estava sequer na sala de espera. Lembro-me de ele ter aberto a porta para o R. passar comigo. Eram 4h30 da manhã quando entrei no bloco de partos, eram 4h30 quando olhei para a cara da enfermeira que estava agora na minha frente, eram 4h30 quando fiquei apavorada por estar a vê-la novamente... - "Ora ora, em cadeira de rodas?! Não pode andar é? Vá, toca a levantar que ter um filho não é ficar sem pernas!" - E assim, com estas palavras a ferirem-me como farpas, sem qualquer apoio do R. (não pôde entrar) nem de ninguém, fui encaminhada para uma sala onde a enfermeira me voltou a falar: - "Está aqui este saco. Dispa-se toda e vista esta bata!" - Despi-me assustada, como se fosse uma criança que tinha feito algo de errado e estivesse prestes a ser castigada. Sentia-me pequenina, diminuta. Outra enfermeira entrou, sentou-se e ficou a olhar para papéis enquanto falava sózinha, nem sei o que ela dizia, só queria fechar os olhos, acreditar que estava a ter um pesadelo e que logo logo, ia acordar e ver que estava tudo bem. Mas não era sonho, foi uma realidade e bem dolorosa para mim. Começou a fazer-me uma série de perguntas; quando é que as águas tinham rebentado, de quantas semanas estava, se fumava ou não, e após mais umas quantas entregou-me uns papéis para eu assinar. Não pude ler o que assinei, uma vez que quando tentava ler, ela prontamente me apressou ao dizer: "Não vai ficar a ler papéis agora, pois não? Há muita coisa para fazer consigo ainda antes do bebé nascer, despache-se lá com isso!" - E lá assinei os papéis. Ainda hoje não sei para que se tratavam ou do que falavam...
A enfermeira saíu e voltou a primeira, que me tinha atendido uma semana antes. Mandou-me deitar numa maca que a pequena sala tinha, de barriga para cima (com contracções a cada minuto?!?!?!) e mandou-me abrir as pernas. Fez-me o toque de forma brusca e descuidada, e veio de lá com um Tupperware (?!?! na minha santa ignorância, num hospital os objectos não deviam ser de metal?!) e com uma lâmina para me rapar. Até aí, tudo bem. Pior foi quando começa a falar do trabalho que eu lhe estava a dar (?!?!) como se eu nem estivesse presente... pior foi eu conseguir aguentar contracções estando de barriga para cima e com uma tristeza tão grande que me deixava angustiada, pior foi eu tentar conter as lágrimas na presença daquela mulher. E consegui. Consegui aguentar o que estava a ouvir, conseguir aguentar contracções, consegui evitar chorar. Fixei o que ela disse ao me fazer o toque; "Três dedos de dilatação." - fixei essa informação e concentrei-me nisso. Estava em trabalho de parto, estava a horas de ver o meu filho.
Após três meses destes acontecimentos, a minha memória começa a falhar, a querer apagar os pormenores mais dolorosos. Depois do que aconteceu naquela pequena sala, só me lembro de estar numa outra sala pequena, deitada de lado, onde a enfermeira que me entregou os papéis para assinar, me aplicava um clister. Lembro-me de ela estar calmamente a conversar com a outra enfermeira acerca de produtos de supermercado, acerca daquela grávida "que pensava que sabia de tudo e que deu mais trabalho do que devia", acerca de estarem ambas fartas de estarem enfiadas no hospital a fazer noites. Ouvi tudo isso enquanto me contorcia de dores. Quando ela acabou o clister, apenas me disse para me levantar e para ir para a casa de banho. - "Está à espera do quê?" - disse-me. E eu, que sempre fui de não levar "desaforo" p'ra casa, lá acatei a ordem como se de um cachorrinho me tratasse. Fechei a porta da casa de banho e aí sim, chorei. Chorei lágrimas de dor, de medo, de tristeza por estar a ser novamente tratada com uma indiferença tão fria, quando me devia sentir feliz por estar quase a ver o meu filho, quando devia estar óptimista e calma para o tempo passar depressa sem sobressaltos. Quando saí do wc, estava sózinha na sala. Olhei para o relógio e eram já 5h15 da manhã. Senti-me subitamente em paz, fiquei calma e gostei de ter ficado ali sózinha por 15 minutos. Sentei-me na cadeira de uma secretária que lá estava, apoiei-me na mesa com o braço direito e deixei cair a cabeça sobre ele, ficando ali com dores e quase adormecida.
Fui como que chamada para a realidade pela primeira enfermeira, às 5h30. - "Então? Está aí sózinha?" - (queria que estivesse como? que saísse dali à procura de sua excelência sra d. Besta?) - Eu apenas dei um ligeiro sorriso amarelo como resposta, nada mais. Entretanto, passou-me um roube para vestir, disse para ir entregar anéis e brincos ao R. na sala de espera e para tirar também "isso que tem aí no queixo, se sair!" (referia-se ao meu piercing colocado abaixo do lábio inferior). Fiquei aliviada ao ver que podia ir ter com o R., finalmente algum apoio, uma palavra, um ombro amigo! Fui lentamente e cheia de dores ter com ele e sorri ao vê-lo, todo ensonado a levantar-se bruscamente quando me viu. Dei-lhe os brincos e fui para o espelho do wc da sala de espera, de modo a retirar o piercing sem trilhar a parte interna do lábio. E fui novamente para o wc, maldito clister! Acho que estive lá 10 minutos, ou mais. O R. volta e meia vinha espreitar-me quando me ouvia gemer de dor com as contracções. "Estás bem, amor?" - perguntava ele. E eu só acenava que sim, completamente exausta por não ter descansado nada antes das águas terem rebentado.
Continuarei o relato amanhã ou depois. Obrigada por me lerem e por partilharem as vossas experiências comigo.

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